quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

LAÉRCIO, O PENSADOR

"Em vez de 'travar o bom combate' que vem apontando tão heroicamente – e tardiamente –, o governo decidiu transformar o Proinveste em um meme".

                   
Laércio Oliveira é um deputado federal. Em vez de pensar em emendas parlamentares, ele resolveu pensar sobre o Proinveste. Ao fazer isso, Laércio Oliveira decidiu iniciar sua carreira de polemista. Para ele, a postura da oposição estadual em relação ao Proinveste é política. Eis aí um veredicto iluminado. Um argumento monumental. A destruição de toda a estrutura lógica da pantomima oposicionista. O desmascaramento de uma farsa infame. Quando Laércio Oliveira pensa, a sociedade é salva. Agora, sabemos que políticos fazem política. Anotemos mais essa em nossos corações incultos.

O deputado pode ter se expressado mal. Entre imbecis batizados e apolíticos de Orkut, o termo “política” traz contornos pejorativos automaticamente. Mas para libertá-lo dessa terrível injustiça existe “politicagem”. Como quero ajudar o deputado a ser compreendido, suspeito que essa seja a raiz sêmica do magnífico sistema laerciano. Se a referência de Laércio Oliveira foi a “politicagem”, porém, ele não está fazendo mais do que reproduzir a primária estratégia governista de desqualificar toda a discussão.

Desqualificar toda a discussão é um dos recursos mais comuns do próprio exercício político. Logo, é fazer política. Só que é um recurso que admite pressupostos. Um pressuposto para a legítima desqualificação da discussão é o embate argumentativo. Mas não existe embate argumentativo nenhum. O que vem acontecendo é que a oposição, mesmo montada em seu esforço conspiratório pró-Amorim, é a única que pelo menos finge argumentar. Já o governo, cada vez mais enfraquecido pela ingerência política e pessimamente representado na Assembleia, não mostrou envergadura para suportar a metralhadora giratória do lado contrário em um único momento. E se contentou em berrar frases feitas, acusações a esmo e partículas de ufanismo barato.

A desqualificação de toda a discussão é o reconhecimento tácito do governo de que, de sua parte, não há o que dizer. E quando um lado está argumentando e outro não, o que não argumenta precisa desesperadamente embaçar o abismo entre as partes. E tirando Laércio Oliveira e seus seguidores, todos sabem qual é a profundidade do abismo entre as partes.

A oposição, aquela que faz política, quer dados. O governo, aquele que não quer fazer política, quer pressa. A oposição, aquela que faz política, quer projetos detalhados. O governo, aquele que não quer fazer política, quer mais pressa. A oposição, aquela que faz política, quer saber o que foi feito com o dinheiro anterior. O governo, aquele que não quer fazer política, finge que não irá explorar a saúde do governador para exigir ainda mais pressa.

Sem ter o que dizer, a patota governista decidiu ficar mais ciente das intenções conspiratórias da oposição do que de suas próprias intenções para comandar o estado. E em vez de enviar projetos para as comissões, desabafou pelo tuiter. Em vez de dizer o que fez com o dinheiro dos anos anteriores, resolveu cutucar e compartilhar. Em vez de “travar o bom combate” que vem apontando tão heroicamente – e tardiamente –, decidiu transformar o Proinveste em um meme: “eles querem nos destruir”.

Por ora, Sergipe perdeu os empréstimos. Não tão temporariamente, o governo perdeu politicamente. Mas em meio a um panorama de tantas perdas, há pelo menos um ganho. Laércio Oliveira como pensador. Graças a ele, descobrimos que políticos pensam politicamente. Que, para o governo, é mais saudável ficar longe de tamanha imundície. E comandar o estado sob o princípio de que é possível governar sem política, sem respostas e sem argumentos. Anotemos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

OS ÁCAROS DO PROINVESTE

"O governo Marcelo Déda e seus bajuladores representam uma nação de ácaros. Quando o escarro vem em sua direção, eles reconhecem sua insignificância aracnídea e se põem em correria. Quando algo como o Proinveste é rejeitado, eles alertam o público para a destruição absoluta de qualquer parâmetro de futuro social ou econômico. Rebaixam seus algozes. E caem aos prantos em redes sociais."

Oscar Niemeyer morreu. Alguns lamentaram seu fim como a despedida do “último dos comunistas”. Quem dera. Assim como Oscar Niemeyer não foi o último dos comunistas, não haverá tão cedo a última das suítes jornalísticas a seu respeito. Porque o próximo objetivo da imprensa brasileira é tentar superar a cobertura sergipana do Proinveste.

Como se sabe, o Proinveste foi o maior gerador de suítes jornalísticas da história da imprensa local. Como consequência, ele também se tornou o principal indutor do surgimento de uma plêiade ocasional de economistas, macroeconomistas, sociólogos, cientistas sociais e cientistas políticos. Como consequência, ele consolidou uma das fases mais intelectualmente promissoras da história recente de Sergipe. Quando alguém conclui que a repercussão do Proinveste foi uma das fases mais intelectualmente promissoras da história recente de Sergipe, é claro que isso aponta que a história recente de Sergipe não foi mais do que um empréstimo que nunca aconteceu.

O Proinveste foi rejeitado na Assembleia Legislativa. Não é possível medir com seriedade o que o grosso da ‘civilização’ sergipense realmente achou disso. Meu palpite é que o grosso da ‘civilização’ sergipense sequer sabe quem é o governador. Quem pelo menos sabe o nome do governador, entretanto, notou que o círculo íntimo de bajuladores oficiais – mais exposto e fácil de contar – quedou em desespero.

Desespero pressupõe gravidade. Gravidade é um juízo que descende do viés, do ângulo e do ponto de vista. Para um ser humano, uma escarrada não lhe faz muito além de aliviá-lo. Para a minúscula ‘civilização’ de ácaros que está embaixo, é um armagedom de destruição de gerações, patrimônios, culturas, legados, histórias e princípios. É a destruição do passado, a anulação do presente e a negação do futuro. É o ponto final de algum processo de desenvolvimento. É a interrupção do ser e do devir acariano.

O governo Marcelo Déda e seus bajuladores representam uma nação de ácaros. Quando o escarro vem em sua direção, eles reconhecem sua insignificância aracnídea e se põem em correria. Quando algo como o Proinveste é rejeitado, eles alertam o público para a destruição absoluta de qualquer parâmetro de futuro social ou econômico. Rebaixam seus algozes. E caem aos prantos em redes sociais.


A ideia da destruição absoluta do futuro do estado elevou o Proinveste à condição de redenção histórica. De acordo com esse raciocínio, o programa federal era o único meio de retirar Sergipe de seu eterno redemoinho de nulidade política, geográfica, econômica e cultural. Mas acreditar em uma coisa como essa é valorizar um montículo de idiotices cercado de contrassenso por todos os lados.

Primeiro, o tal Proinveste, valorizado como sábia decisão vinda de instâncias federativas divinas, é apenas mais um programete nacional desenvolvido para ampliar a dependência dos estados. Seu objetivo, como qualquer coisa elaborada pelo Partido dos Trabalhadores, é ofertar algum desenvolvimento a curto prazo sob o preço de absoluta dependência fiscal e política no longo. A defesa de uma coisa como essa equivale, portanto, à defesa da perpetuação do endividamento público. Se o Brasil inteiro adotou o programa, isso só quer dizer que o Brasil continua raciocinando como Brasil.

Convém lembrar que a oposição parlamentar estadual não argumentou algo parecido uma única vez. Mas a atuação da oposição é orientada para o prejuízo político do governo. O prejuízo político do governo é um assunto de instância tão baixa que a ignorância de questões mais elevadas é quase uma condição para ser oposição estadual.

Segundo, não há como retirar Sergipe de seu redemoinho de insignificância. A nulidade sergipana é sua característica mais cara e, paradoxalmente, mais visível. Transformar Sergipe em algo significativo é, assim, apagar sua identidade.

Pensar da forma acima, entretanto, é pensar como quem escarra. Para atingir o estranho raciocínio da patota governista, é necessário pensar como aracnídeo. Quando pensamos como um aracnídeo, concluímos que um bilhão de reais em empréstimos não tiraram Sergipe do buraco, mas R$ 727 milhões o fariam. Concluímos que ter um governador como amigo pessoal do presidente durante quatro anos – a política ainda se faz dessas coisas – não tirou Sergipe do buraco, mas que R$ 727 milhões o fariam. Que a entrega de uma sequência de projetos governamentais tão alardeados pela publicidade oficial em seis anos não tiraram Sergipe do buraco, mas que R$ 727 milhões o fariam. Como se vê, das duas, uma: ou Sergipe não tem salvação alguma que possa ser apresentada, ou é o governo que não tem ideia alguma de salvação para apresentar. Diante de ambas as conclusões, o Proinveste é apenas um escarro que só possui protagonismo na imprensa.

Mas Oscar Niemeyer morreu. Os argumentos de Jackson Barreto serão trocados pelo prédio do STF. A gritaria enjoada da oposição será cambiada pelas curvas do Sambódromo. O silêncio constrangido da situação dará lugar aos estranhíssimos elogios do ‘humanismo’ do velho comuna. E o Proinveste, finalmente, trocará as atenciosas suítes pelo obituário.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O PRESENTE DIVINO DO CEAC

"Quanto menos o Ceac atende, melhor ele atende. Quanto melhor o Ceac atende, melhor a satisfação cidadã, melhor a fidelização do contribuinte ao local, melhor a tão sacrossanta imagem do governo. Mas os funcionários do Ceac reclamam como se houvesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se tivessem participação nesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se funcionário público reclamasse de menos trabalho."

    
Tenho uma teoria. O nome dela é Teoria do Apitaço Auto-desmoralizante.  Ela afirma que o apitaço contra as taxas de estacionamento foi uma manobra idealizada pelos próprios donos dos shoppings para desmoralizar o boicote. 

É a única coisa que explica a participação de movimentos sociais, sindicatos e diretórios estudantis no protesto. Porque toda vez que um movimento social, sindicato ou diretório estudantil se envolve em alguma coisa, ela perde imediatamente sua importância. Vira pantomima. Vira teatro. Vira palhaçada. Vira Movimento Não Pago. Vira Movimento Passe Livre. O que os prováveis articuladores dessa manifestação não previram o peculiar estado de animosidade dos funcionários do Ceac. Eles gostaram do apitaço. Eles são a nota de rodapé da Teoria do Apitaço Auto-desmoralizante.

Inspirados na palhaçada e no teatro, funcionários do Ceac Riomar pretendem paralisar as atividades. Eles querem se isentar da taxa. Para fazê-lo, estão considerando uma intervenção de calourada muito mais eficiente do que se reunir com os mandantes da cobrança. Eles também reclamam que graças à cobrança nos estacionamentos o movimento do Ceac caiu 45%. Estranho. Até onde se sabe, uma queda de 45% no movimento do Ceac seria motivo de comemoração. Ceac não é empresa de fins lucrativos. É um complexo de órgãos públicos que existe para agilizar emissão de documentos. Quando sua capacidade ameaça se aproximar dos 100%, é mais provável que um ou outro sistema caia ou uma ou outra fila fique empacada. Quando o movimento cai pela metade, o atendimento melhora. A fila anda. O cidadão sai satisfeito. E ainda pega um cineminha.


Quanto menos o Ceac atende, melhor ele atende. Quanto melhor o Ceac atende, melhor a satisfação cidadã, melhor a fidelização do contribuinte ao local, melhor a tão sacrossanta imagem do governo. Mas os funcionários do Ceac reclamam como se houvesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se tivessem participação nesse lucro. Os funcionários do Ceac reclamam como se funcionário público reclamasse de menos trabalho.  

Meu palpite é que a desimportância propositiva de movimentos sociais, sindicatos e diretórios estudantis é um troço contagioso. Para eles, não é só cobrar estacionamento que é feio. Feio é ganhar dinheiro. Já que a redistribuição social nos termos de uma economia de mercado, individualista e meritocrática é complicada, que pelo menos se aplique um muro de contenção para quem faz o papel de “opressor”. Os donos de shopping fazem esse papel. Os funcionários do Ceac acreditam. E com o roteiro dos movimentos sociais, sindicatos e diretórios estudantis na mão, os funcionários do Ceac começam a ensaiar o papel de oprimidos.

Em si mesmo, o apitaço contra a taxa de estacionamento apenas provou que essa estranha instância chamada “sociedade organizada” é uma vergonhosa nulidade. É suficiente notar que a manifestação aconteceu no interior de um ambiente privado como se todos estivessem na praça do Bugio. Isso demonstra que não havia ali um único mamífero capaz de definir, com coerência, onde se inicia o patrimônio público e onde termina o privado. Isso também determina que não havia um ali único organismo capaz de articular, com propriedade, alguma coisa que estivesse acima do oba-oba descerebrado de manobras de massa. Quem não sabe onde se inicia o público e onde termina o privado não sabe viver em sociedade. Quem consegue ser sugado pelo oba-oba não pensa. Quem não sabe viver em sociedade e não pensa não pode reivindicar nada.

Os funcionários do Ceac deveriam ensaiar um papel mais original. O de reivindicadores civilizados de legítimos privilégios. Depois disso, deveriam jogar fora o roteiro da “crasse trabaiadora” e fazer a festa. Porque 45% a menos de trabalho não é castigo de patrão. É uma nota de rodapé no serviço público. É presente divino.