segunda-feira, 5 de novembro de 2012

REDAÇÃO DO ENEM: MANUAL TARDIO DO CANDIDATO

"Falar sobre imigração para o Brasil no século 21 é muito mais fácil do que falar sobre violência, meio-ambiente ou redes sociais. Bastaria somar todos os jargões e lugares-comuns presentes nas manchetes. Daria para entregar um negócio assim em quinze minutos. E ir à praia. "

(também publicado no Notícias Aju)

Tema da redação do Enem 2012: imigração para o Brasil no século 21. Alguns candidatos não gostaram da proposta. Eles esperavam um repeteco de temas como violência, meio-ambiente e papel das redes sociais no mundo globalizado. Todos os três temas citados possuem jargões textuais amplamente difundidos. A existência de jargões torna qualquer redação um amontoado de generalidades da qual é possível se livrar em vinte minutos. Sem saber, os candidatos insatisfeitos perderam a oportunidade de suas vidas.

Falar sobre imigração para o Brasil no século 21 é muito mais fácil do que falar sobre violência, meio-ambiente ou redes sociais. Bastaria somar todos os jargões e lugares-comuns presentes nas manchetes. Daria para entregar um negócio assim em quinze minutos. E ir à praia. 

Primeiro jargão: o Brasil é um país de todos. As notícias que davam conta de um movimento imigratório no Brasil pipocaram em janeiro deste ano. De acordo com as matérias, os imigrantes estão vindo de países como Haiti, Paquistão, Índia e Bangladesh. Os especialistas ouvidos diziam que a grande razão para a vinda de estrangeiros era a ampliada projeção brasileira no exterior. Todos pareciam concordar com isso. Menos os próprios imigrantes. Nas entrevistas, as reportagens mostraram que eles ou vieram parar aqui por acaso ou vieram porque não tinham dinheiro para ir para EUA e Europa. O Brasil era só uma versãozinha mais baratinha de desenvolvimento para quem nunca viu isso na sua frente. 

Nada disso, porém, deveria ir na redação. Seria feio. O correto seria dizer que Dilma, a Nossa Senhora do MR-8, está abrindo os portões do paraíso para os pobretões de todo o sistema solar. O Brasil é um país de todos. De todos os pobretões.

Segundo jargão: o Brasil é o país do futuro. O Enem é uma prova dirigida, comandada e idealizada pelo Ministério da Educação.  Fazer bem a redação do Enem é dizer o que o Ministério da Educação quer ouvir. O que ele quer ouvir é que o Brasil está recebendo mais gente porque virou, nos últimos nove anos, um portal intradimensional de crescimento econômico e espiritual. Para acreditar nisso, é preciso ter nascido em um país absolutamente devastado por todos os desastres naturais imagináveis, destruído por um sistema político arcaico e mastigado por uma história de miséria. Para acreditar nisso, é preciso ter nascido no Haiti. Qualquer coisa é melhor que o Haiti. Até o Brasil.

Nada disso, porém, deveria ir na redação. Seria indecoroso. Melhor seria dizer que o Brasil é a mola-mestra do desenvolvimento do Haiti. Primeiro, com uma espécie de ocupação militar. Segundo, com uma espécie de convite à ocupação de canteiros de obras. O Brasil é o país do futuro. Do futuro do Haiti.

Terceiro jargão: o Brasil é o país das oportunidades. No Brasil, todos têm direito a curso superior. Mesmo com o inaceitável desempenho geral das universidades no Enade e dos vergonhosos índices brasileiros em educação diante do mundo, o país segue sua marcha rumo à universalização do canudo. A universalização do canudo não significa difusão de conhecimento e preparo, mas de uma brutal queda na qualidade do ensino superior para absorver e endossar a aprovação de imbecis.

É claro que nada disso deveria ir na redação. Seria falta de educação. Dissessem que quando souberam da universalização do canudo, os miseráveis de Bangladesh e Paquistão vieram correndo. Isso porque visualizaram, com razão, que era possível se graduar em Letras Português e em Enfermagem ao mesmo tempo em que trabalhavam nas fundações de um estádio em Manaus. O Brasil é o país das oportunidades. O Brasil é o país do jeitinho.

Os candidatos do Enem acharam que o tema da redação significou o começo do fim de seus desempenhos. Zero de interpretação para eles. Seus desempenhos nunca foram nada. O Enem é que é o começo do fim da educação no Brasil.

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