quarta-feira, 28 de novembro de 2012

PRÊMIO PARA TODOS

"Neguinho põe orgulhoso uma imagem de estacionamento vazio. Os shoppings agradecem o comercial gratuito de suas vagas. Neguinho põe todo prosa imagem dos corredores às moscas. Os shoppings agradecem a campanha a favor de seu conforto e vacância."

Dá pra ensaiar com a sinfônica de Boston na ala C do estacionamento do Shopping Jardins. Mas o valor argumentativo de quem defende e de quem acusa a cobrança de taxa nos estacionamentos é o mesmo. Zero. Até agora, um lado não disse nada. O outro, nada de aproveitável. Os shoppings se limitaram à divulgação. O prefeito dedicou-se a se comportar exatamente como manda o roteiro de quem foi chutado do cenário político. A população real partiu para o boicote. A virtual mergulhou na reatividade irrefletida de cunho revolucionário e pré-adolescente. A soma nula de coisas nulas só pode gerar tamanha repercussão em um lugar nulo. A soma nula de coisas nulas em um lugar nulo só mostra que Sergipe é um estacionamento.

Os shoppings podem cobrar o que quiserem. E o boicote a isso é uma reação legítima. O problema é o discurso. Meu esforço intelectual para tirar alguma fundamentação do discurso do boicote é uma das maiores demonstrações de generosidade que fiz este ano. Graças a ele, já sei que serei poupado de tragédias anunciadas. E essa fundamentação diz respeito ao direito de ir a um shopping. O problema é que não existe isso de direito de ir a um shopping. Um shopping tem mais direito de evitar a entrada de quem quer que seja do que alguém tem direito de entrar nele.

Shoppings são entidades privadas. Em decisões de entidades privadas, ninguém se mete. Como não há lazer em Sergipe, os shoppings se tornaram centros de lazer e consumo superestimados. A penetração de seus benefícios é tão profunda que a menor possibilidade de sua redução, mesmo como parte de estratégias privadas, gera péssima repercussão. Essa péssima repercussão é a novena das viúvas da C&A. Já o meu caso é com o mercadinho. Quando o Mossad se cansar de Ana Lúcia – aquela que tem enviado comunicados à embaixada israelense ordenando que a Palestina vença – e bombardear o Shopping Jardins – vazio, é claro – , ficarei de luto por trinta segundos. No trigésimo primeiro, irei ao Bompreço do lado.

Os reclamões são menos felizes que eu. Eles não têm tantas opções. O máximo que têm é a comiseração de vereadores e deputados locais. Quando os shoppings perceberam que a única coisa que estava entre eles e seu direito legítimo eram vereadores e deputados locais, correram para instâncias superiores do Judiciário. Ao contrário do que pensam vereadores e deputados locais, a lei federal considera a propriedade privada um direito, e não critério de punição de bestas do capitalismo diante do tribunal dos ‘cumpanhêro’. Como o direito à propriedade privada existe e o direito a ir ao shopping não existe, os shoppings vencem. Como o direito à propriedade privada existe e o direito do prefeito de ser demagogo não existe, os shoppings cobram.

O sergipano se aferra ao ódio pelos maquiavélicos proprietários de shoppings em nome de seu ‘direito’ de lhes dar menos dinheiro. Mas são os proprietários de shoppings que querem distância do sergipano. Se essa cobrança em estacionamentos tem alguma coisa a ver com garantia de conforto, é com o conforto do proprietário do shopping em favorecer, legitimamente, quem não liga para R$4. Se tem a ver com garantia de segurança, é com a segurança dos acionistas que, aliviados, encorajarão aventureiros que ocupam vaga para gastar R$2 em sorvete a ficar em casa. Não foram os sergipanos que fizeram boicote aos shoppings. Foram os shoppings que decidiram se livrar de alguns sergipanos.

Neguinho põe orgulhoso uma imagem de estacionamento vazio. Os shoppings agradecem o comercial gratuito de suas vagas. Neguinho põe todo prosa imagem dos corredores às moscas. Os shoppings agradecem a campanha a favor de seu conforto e vacância. Neguinho berra em maiúsculas que não irá aparecer no shopping nunca mais. Os shoppings respiram fundo, brincam na cadeira giratória, batem palma, convocam sua equipe de marketing e clamam: “Fizeram tudo o que queríamos. Eles merecem um Prêmio”.

Se Sergipe possui a abrangência e a profundidade de um estacionamento, a campanha anti-shoppings é a sua ala C.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

OS FERIADOS DE CONCEIÇÃO VIEIRA

"Quando chega o Dia da Consciência Negra, Sergipe, que nunca ouve o que Conceição Vieira tem a dizer, ignora a data completamente e experimenta, sem saber, a benção de ser civilização. A Bahia, a miséria de ser ainda mais Bahia."

O Dia da Consciência Negra foi feriado em alguns municípios da Bahia. Em Sergipe, não. Conceição Vieira, a deputada, lamentou. Sabe-se que Sergipe é um puxadinho da Bahia. Às vezes, é melhor que a casa. Às vezes, é só onde se encosta a bicicleta. Às vezes, é só onde nos escondemos em dia de faxina. Às vezes, é apenas onde enterramos revistas de pornografia. Mas quando chega o Dia da Consciência Negra, Sergipe, que nunca ouve o que Conceição Vieira tem a dizer, ignora a data completamente e experimenta, sem saber, a benção de ser civilização. A Bahia, a miséria de ser ainda mais Bahia.

Ninguem aguenta mais discutir a massacrante irrelevância do Dia da Consciência Negra. Todos já cansaram de saber que apenas políticos e membros de movimentos sociais, que também querem ser políticos, dão a mínima para isso. O Dia da Consciência Negra não é mais do que o dia da exploração da inconsciência cidadã. Como há um medo generalizado de se falar no assunto ‘consciência negra’, a imbecilidade apocalíptica dos movimentos sociais pauta a imprensa, a política e os discursos de Conceição Vieira. 

O Dia da Consciência Negra só consegue ser tema atrasado de uma crônica porque o assunto mais importante de Sergipe, nos últimos dias, foi o brevíssimo retorno do governador Marcelo Déda de seu tratamento – para o qual voltará de novo. Como o tratamento de Marcelo Déda o impede de ser governador, ele não governa. Quando ele não governa ou está para não governar, fica tão interessante e público quanto eu. Como eu e Marcelo Déda em tratamento não interessamos a ninguém, o menu de hoje pede uma nulidade qualquer ligeiramente melhor do que nossa insignificância. 

O Dia da Consciência Negra ganhou ares de data festiva no Brasil. Como qualquer outra data festiva no Brasil, ele serve para várias coisas, menos para aquilo que o senso comum sempre apresenta como justificativa universal e inequívoca de qualquer feriado: o repeteco enjoado da reflexão. Uns preferem brincar de capoeira. Outros preferem se fantasiar de somali alimentado. Outros preferem distribuir vexatórios e extemporâneos discursos afirmativos. Estão todos certos, é claro. Data comemorativa não é dia de ter trabalho. E refletir dá trabalho. Refletir dói. Refletir é ameaçador. Refletir pode arrebentar as bases de qualquer farsa. Como a data é uma farsa, a única coisa que os militantes precisam fazer é negar a menor possibilidade de pensar sobre ela. E abrir uma roda de capoeira.

Se a reflexão fosse a tônica do Dia da Consciência Negra, a primeira coisa a ser feita seria pensar na figura de Zumbi dos Palmares como patrono e representante da liberdade negra. Como Zumbi dos Palmares nunca foi mais do que um escravocrata alagoano, a segunda coisa a fazer seria tentar encontrar o conceito de raça. Como o conceito de raça não existe, a terceira coisa a fazer seria discutir a peculiaridade da “nação negra” no multiculturalismo brasileiro. Quando descobrirem que essa política de separatismo social só encontra paralelos no que a humanidade produziu de pior, só restará a quarta coisa a fazer. E a quarta coisa a fazer é tentar adivinhar todos os jargões afirmativos que as celebridades dirão na posse de Joaquim Barbosa no STF. 

Sergipe não dá a mínima para o Dia da Consciência Negra. Sergipe não dá a mínima para Conceição Vieira. Se a junção entre Dia Da Consciência Negra e Conceição Vieira dá em feriado, Sergipe ignora e prefere ir ao trabalho. Sergipe só não aprendeu a ignorar a imbecilizante publicização e a exploração política – de ambos os lados – dos problemas particulares do governador. Quando Conceição Vieira analisar isso em profundidade, não terá dúvidas. Pedirá, para cada dia que o governador voltar a trabalhar, um feriado. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

VIOLAÇÃO ANAL DA SOCIEDADE

“Depois de apreciar o embate entre “Parada gay, cabra e espinafre” – de J.R. Guzzo – e de “Veja que lixo!” – de Jean Wyllys –, concluí que Jean Wyllys continua nulo, porque não consegue entender nem mesmo um texto de J.R. Guzzo, e que sou indiferente a J.R. Guzzo. O que mudou foi minha compaixão por Pedro Bial: ela aumentou. Porque o resultado mais duradouro da pantomima sociológica de Pedro Bial na televisão, após tantos anos, foram os eleitores de Jean Wyllys”. 


O Brasil considera Pedro Bial um intelectual. Eu considero Pedro Bial um coitado. O Brasil considera a Veja uma publicação reacionária de direita. Eu considero a Veja uma publicação moderada de tucanismo. O Brasil considera J.R. Guzzo nulo, porque ninguém lê J.R. Guzzo, e Jean Wyllys um defensor das causas homossexuais, porque ele é um deputado federal homossexual. Eu considerava J.R. Guzzo e Jean Wyllys nulos, porque nunca havia lido nada de J.R Guzzo e nunca tive nenhuma causa defendida por Jean Wyllys.  

Depois de apreciar o embate entre “Parada gay, cabra e espinafre” – de J.R. Guzzo – e de “Veja que lixo!” – de Jean Wyllys –, concluí que Jean Wyllys continua nulo, porque não consegue entender nem mesmo um texto de J.R. Guzzo, e que sou indiferente a J.R. Guzzo. O que mudou foi minha compaixão por Pedro Bial: ela aumentou. Porque o resultado mais duradouro da pantomima sociológica de Pedro Bial na televisão, após tantos anos, foram os eleitores de Jean Wyllys.

J.R. Guzzo tentou destruir as linhas de raciocínio do delirante movimento gay. Seu texto não é nenhuma Ilíada. Apenas reproduz uma ou outra informação que Olavo de Carvalho dita semanalmente entre cinco carteiras de cigarro e trinta e duas indicações bibliográficas. Mesmo assim, o tratado guzziano conseguiu algo que Silas Malafaia e Jair Bolsonaro, desacreditados pela extravagância, jamais conseguiram: exibir a miséria intelectual de Jean Wyllys e a arrogância histérica do movimento político homossexual.

Jean Wyllys respondeu. Reclamou de muitas coisas. Mas dedicou considerável esforço para reclamar de ter sido chamado de cabra e de espinafre. Só possuo duas teorias para explicar isso. A primeira diz que ele não entendeu os exemplos de J.R. Guzzo. A segunda diz que ele entendeu, e, mesmo assim, decidiu sabotá-los para mobilizar a burrice alheia contra o colunista. No primeiro caso, ele mostra apenas a profundidade intelectual de uma muriçoca. No segundo, um interessante conhecimento de como se comporta a turba que o segue – leitores de Carta Capital, anti-Veja e dispostos a reproduzir a fala de seu líder sem conhecimento da parte contrária – mas, sob esse domínio, o cinismo e a “desonestidade intelectual” que ele atribui onze mil vezes ao seu adversário.

Os exemplos de J.R. Guzzo são recursos didáticos. São ridículos para serem claros. Ninguém pode se casar com uma cabra ou com a própria mãe. Nenhuma lei pode obrigar quem quer que seja a gostar de espinafre ou de abobrinha. Jean Wyllys ficou chateado e subiu no poleiro. Se minha primeira teoria estiver correta, só posso inferir que Jean Wyllys interpreta o mundo como um Robocop gay defeituoso programado para identificar a homofobia. A lâmpada se apagou? Homofobia. O ônibus não parou? Homofobia. Ainda não deu 12h24? Homofobia. O São Paulo não foi pra Libertadores? Homofobia. Por isso ele é do PSOL. A plataforma do PSOL é o combate irrefletido contra o capital e o mundo civilizado. A plataforma de Jean Wyllys é o ódio contra referências ilustrativas a esmo, não direcionadas. A posição de Jean Wyllys como ofendido é, assim, apenas expressão instintiva de sua capacidade de se ofender com qualquer coisa.

A segunda teoria se justifica quando Wyllys invoca que as cabras e os espinafres foram trazidos da vida pessoal do próprio J.R. Guzzo. Se fosse verdade, o episódio seria muito mais engraçado. Infelizmente, seria preciso ser aluno da Faculdade de Militância Gay Jean Wyllys para conseguir interpretar isso no artigo. Ou seja: Wyllys plantou uma interpretação para mobilizar antipatizantes naturais da Veja a favor de sua causa. Esse é só o primeiro dado de sua superioridade moral. O outro é que o primeiro recurso de que Wyllys se valeu para combater uma suspeita de injúria foi, vejam só, a própria injúria. 

"Quantos do meu rebanho compartilharam? 10 mil?"

J.R. Guzzo usou o termo homossexualismo o tempo inteiro. Jean Wyllys não gostou. Para ele, as orientações sexuais não são nem tendências ideológicas nem políticas e nem doenças para admitir a sufixação ‘ismos’. É verdade. Só faltou dizer que o único caso de institucionalização política de uma orientação sexual é o da homossexualidade. Porque não há militância hetero. Não há militância bissexual. Não há militância pansexual. Há, no máximo, alguns adeptos de Lady Gaga.

Mas houve uma elite homossexual que, cansada do marasmo da presunção de igualdade social da Constituição, decidiu pregar uma reengenharia sociológica. Então passou a fazer mais política que sexo, a sentir mais apego aos princípios do que ao tesão e conseguiu gerar, de sua orientação sexual, uma tendência política, ideológica e com objetivos claros de imposição. Quando Wyllys admitir que fala por um ‘ismo’ político e ideológico, perdoarei sua interpretação textual de toupeira com febre. Se continuar dizendo que fala por uma orientação sexual, então só posso inferir que a orientação sexual do homossexualismo é a violação anal da sociedade. 

Jean Wyllys chega a comparar o movimento gay ao movimento negro. É um dos poucos pontos de seu tratado em que ele está absolutamente correto. Tanto o movimento negro quanto o movimento gay representam os mais obtusos casos de intolerância organizada da sociedade. Ambos objetivam ser aceitos por meio de decreto. Ambos estabeleceram que as regras que valem para a sociedade inteira não são suficientes para abranger suas incompreendidas particularidades. Ambos apostam na incompreensível lógica de busca por igualdade social através de uma segregação cada vez maior. Se algo assim fosse dar certo, já reservaria para Ivan Martins – o sujeito que disse que a militância gay melhorou o homem – um voto para presidente da República. Como sei que não dará, posso no máximo torcer para que ele vire assessor de Jean Wyllys.

A homossexualidade é um problema dos homossexuais. O homossexualismo é um movimento que os homossexualistas querem que a sociedade engula. Jean Wyllys é um homossexualista obcecado pelo termo homofobia. O termo homofobia é um neologismo que não quer dizer nada. J.R.Guzzo é um anti-homossexualista incompreendido. Jean Wyllys quer que a sociedade o engula. A sociedade não sabe o que é homofobia. E mesmo assim, prefere não dizer nada.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

190 NELES

"Quem defende o que Rita Lee fez também se considera acima da lei. Quem se considera acima da lei é apenas mais um enrolador de beque da Avenida Beira Mar. E como os enroladores de beque da Avenida Beira Mar, mais um crente na licença poética da desobediência civil. Nossa sorte é que a polícia tem licenças melhores. Uma delas sempre sobrepuja a licença poética da desobediência civil: a licença poética do 'encosta aí, vagabundo'. É o que garante que a sociedade sobreviva à negação da própria sociedade."

Rita no congresso de bundões da MPB
O barulhento comício neo-anarquista de Rita Lee na Barra dos Coqueiros teve duas utilidades. A primeira foi distribuir bordoadas e catiripapos nos enroladores de beque da Avenida Beira Mar. Eles estavam merecendo isso há muito tempo. Espero que seja periódico. Parabéns à polícia, apesar de seu bundamolismo de não enquadrar a mutante depois de seu primeiro “o show é meu”. A segunda foi identificar a qualidade dos adeptos rita-leeanos. Nada animador. Em socorro da velha, se apresentaram em primeiro plano os bundões sub-anarquistas da MPB. Em segundo, Heloísa Helena, o eclipse PSOLar ultra-feminista. Se houver algum outro além destes dois, já será baixaria demais para este blog de família.

Pelo twitter, Beto Lee mostrou-se tristinho com o calvário judicial de sua mãe. Os bundões da MPB vieram galopando tranquilizá-lo. Maria Rita achou a ação judicial um exagero de palhaçada e foi rezar. Lulu Santos achou o processo chocante, desnecessário e arbitrário. Esses foram os da MPB. Logo abaixo na escala de bundões vem Tico Santa Cruz, que não sei como caracterizar. Não lembro o que ele disse.


Quem defende o que Rita Lee fez também se considera acima da lei. Quem se considera acima da lei é apenas mais um enrolador de beque da Avenida Beira Mar. E como os enroladores de beque da Avenida Beira Mar, mais um crente na licença poética da desobediência civil. Nossa sorte é que a polícia tem licenças melhores. Uma delas sempre sobrepuja a licença poética da desobediência civil: a licença poética do 'encosta aí, vagabundo'. É o que garante que a sociedade sobreviva à negação da própria sociedade.  

A negação da sociedade é uma praga pré-adolescente. As pragas pré-adolescentes são perigosas, mas fugazes. Quando a adolescência acaba e o sujeito continua a pensar e agir como se ainda estivesse lá, não temos mais um caso de delinquência. Temos um caso de demência. Minha adolescência acabou quando o rock se aposentou e Chuck Schuldiner morreu. A partir daí, desisti de um mundo legislado por eles e decidi me apegar aos símbolos mais pétreos do status quo. Não foi difícil. Porque se no lugar de Chuck Schuldiner temos Tico Santa Cruz, eu prefiro a polícia. Se no lugar do heavy metal temos One Direction, exijo o rigor do Código Penal. Se no lugar do rock temos “Deus me defenda”, reivindico a adoção do Vade Mecum no pré-primário.

O ponto mais baixo da carreira de Rita Lee, entretanto, não foi em cima do palco ou na Plantonista da Rua Laranjeiras. Foi descendo de uma van acompanhada por Heloísa Helena. Ignoro o que seja ser amigo de Heloísa Helena. O que sei de Heloísa Helena é tudo aquilo que ela se esforça para mostrar que é: um perdigoto de Eduardo Galeano boiando entre o gulag soviético e o calote à dívida externa. O PSOL é o PT em 1982. O PSOL é Heloísa Helena.

Heloísa Helena veio prestar apoio a Rita Lee. Ela acha que a polícia foi truculenta com a velha. Ela acha que Rita Lee disse “venham me prender” e “filhos da puta” guiada pela emoção. Heloísa Helena prefere a polícia serena e compreensiva dos programas estatizantes e caloteiros do PSOL. Ela prefere a liberdade civil de Stalin e Pol Pot.

Heloísa Helena seria capaz de qualquer coisa para defender Rita Lee. Eu não. Mas faria alguma coisa para defender Rita Lee de Heloísa Helena, Lulu Santos e Maria Rita. (Tico Santa Cruz precisa ficar em outra frase). Mas se alguém avistar Rita Lee por aí ao lado dos enroladores de beque da Avenida Beira Mar, não tenha dúvida: é baderna. 190 neles.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

DE OBAMA A NIVALDO DO SEPUMA

"Gritando de um carro de som do lado de fora da Câmara Municipal de Aracaju, Nivaldo Fernandes disse que apoiava Obama. Obama ainda não foi ouvido a respeito. Mas tudo indica que ele também apoiaria Nivaldo Fernandes."



Nivaldo Fernandes e Barack Obama. Barack Obama e Nivaldo Fernandes. Gritando de um carro de som do lado de fora da Câmara Municipal de Aracaju, Nivaldo Fernandes disse que apoiava Obama. Obama ainda não foi ouvido a respeito. Mas tudo indica que ele também apoiaria Nivaldo Fernandes. Já foi provado que se alguém sinaliza a menor simpatia pela causa obamista, conta com o apoio imediato e irrefletido de seu líder. Seja quem for. Venha de onde vier. Mesmo que o adepto em questão seja Vladimir Putin. Mesmo que o adepto em questão seja Hugo Chávez. Mesmo que o adepto em questão seja Danilo Segundo. Mesmo que o adepto em questão seja Nivaldo Fernandes.

Nivaldo Fernandes é brasileiro. Como a maioria dos brasileiros, ele não tinha nenhum motivo realmente sério para apoiar Obama. No máximo ele suspeitava que entre um candidato preto e outro branco, em uma nação com histórico de racismo institucionalizado como os EUA, o preto é quem carrega a bandeira da justiça, da moral e da igualdade. É a matemática do canhestro raciocínio cotista-pretista: como qualquer um, o preto erra. Mas como ele é, por associação histórica, “inferior”, seus erros são perdoados. Obama errou, falseou, desgovernou. Mas ele é preto. Pela matemática cotista-pretista, sim, ele pode.

A mesma coisa parece acontecer em relação ao sindicato presidido por Nivaldo Fernandes. Segundo o vereador Jailton Santana, o Sepuma permaneceu em silêncio durante todo o governo do prefeito Edvaldo Nogueira. Não moveu uma única mitocôndria a favor dos servidores. Mas o Sepuma é um sindicato em pleno governo de esquerda. Governos de esquerda financiam, aparelham e silenciam sindicatos. Perdão concedido.

Não sei quem é Nivaldo Fernandes. Desconheço Jailton Santana. Desconfio que possuo sorte em ambos os casos. Mas o embate entre eles é desigual. Jailton Santana faz oposição a Edvaldo Nogueira. Como em Aracaju qualquer um faz oposição a Edvaldo Nogueira, Jailton Santana representa o atual establishment. Sozinho no banheiro, o próprio Edvaldo Nogueira deve fazer oposição a Edvaldo Nogueira. A única forma de superar uma corrente tão sólida de unanimidade é apelar para outra maior ainda. Nivaldo apelou. Apelou para Obama. Com a benção democrata, conseguiu levar adiante a atualização do Estatuto do Servidor Municipal. Com a eleição de Obama, cairá na gandaia duplamente.

Obama venceu nos EUA. Nivaldo Fernandes venceu na Praça Fausto Cardoso. Obama discursou para milhares de progressistas americanos em agradecimento. Nivaldo Fernandes discursou de um carro de som para cinco pessoas de costas enquanto misturava impropérios com ufanismo de shopping center. Não tem como um não ter apoiado o outro.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

REDAÇÃO DO ENEM: MANUAL TARDIO DO CANDIDATO

"Falar sobre imigração para o Brasil no século 21 é muito mais fácil do que falar sobre violência, meio-ambiente ou redes sociais. Bastaria somar todos os jargões e lugares-comuns presentes nas manchetes. Daria para entregar um negócio assim em quinze minutos. E ir à praia. "

(também publicado no Notícias Aju)

Tema da redação do Enem 2012: imigração para o Brasil no século 21. Alguns candidatos não gostaram da proposta. Eles esperavam um repeteco de temas como violência, meio-ambiente e papel das redes sociais no mundo globalizado. Todos os três temas citados possuem jargões textuais amplamente difundidos. A existência de jargões torna qualquer redação um amontoado de generalidades da qual é possível se livrar em vinte minutos. Sem saber, os candidatos insatisfeitos perderam a oportunidade de suas vidas.

Falar sobre imigração para o Brasil no século 21 é muito mais fácil do que falar sobre violência, meio-ambiente ou redes sociais. Bastaria somar todos os jargões e lugares-comuns presentes nas manchetes. Daria para entregar um negócio assim em quinze minutos. E ir à praia. 

Primeiro jargão: o Brasil é um país de todos. As notícias que davam conta de um movimento imigratório no Brasil pipocaram em janeiro deste ano. De acordo com as matérias, os imigrantes estão vindo de países como Haiti, Paquistão, Índia e Bangladesh. Os especialistas ouvidos diziam que a grande razão para a vinda de estrangeiros era a ampliada projeção brasileira no exterior. Todos pareciam concordar com isso. Menos os próprios imigrantes. Nas entrevistas, as reportagens mostraram que eles ou vieram parar aqui por acaso ou vieram porque não tinham dinheiro para ir para EUA e Europa. O Brasil era só uma versãozinha mais baratinha de desenvolvimento para quem nunca viu isso na sua frente. 

Nada disso, porém, deveria ir na redação. Seria feio. O correto seria dizer que Dilma, a Nossa Senhora do MR-8, está abrindo os portões do paraíso para os pobretões de todo o sistema solar. O Brasil é um país de todos. De todos os pobretões.

Segundo jargão: o Brasil é o país do futuro. O Enem é uma prova dirigida, comandada e idealizada pelo Ministério da Educação.  Fazer bem a redação do Enem é dizer o que o Ministério da Educação quer ouvir. O que ele quer ouvir é que o Brasil está recebendo mais gente porque virou, nos últimos nove anos, um portal intradimensional de crescimento econômico e espiritual. Para acreditar nisso, é preciso ter nascido em um país absolutamente devastado por todos os desastres naturais imagináveis, destruído por um sistema político arcaico e mastigado por uma história de miséria. Para acreditar nisso, é preciso ter nascido no Haiti. Qualquer coisa é melhor que o Haiti. Até o Brasil.

Nada disso, porém, deveria ir na redação. Seria indecoroso. Melhor seria dizer que o Brasil é a mola-mestra do desenvolvimento do Haiti. Primeiro, com uma espécie de ocupação militar. Segundo, com uma espécie de convite à ocupação de canteiros de obras. O Brasil é o país do futuro. Do futuro do Haiti.

Terceiro jargão: o Brasil é o país das oportunidades. No Brasil, todos têm direito a curso superior. Mesmo com o inaceitável desempenho geral das universidades no Enade e dos vergonhosos índices brasileiros em educação diante do mundo, o país segue sua marcha rumo à universalização do canudo. A universalização do canudo não significa difusão de conhecimento e preparo, mas de uma brutal queda na qualidade do ensino superior para absorver e endossar a aprovação de imbecis.

É claro que nada disso deveria ir na redação. Seria falta de educação. Dissessem que quando souberam da universalização do canudo, os miseráveis de Bangladesh e Paquistão vieram correndo. Isso porque visualizaram, com razão, que era possível se graduar em Letras Português e em Enfermagem ao mesmo tempo em que trabalhavam nas fundações de um estádio em Manaus. O Brasil é o país das oportunidades. O Brasil é o país do jeitinho.

Os candidatos do Enem acharam que o tema da redação significou o começo do fim de seus desempenhos. Zero de interpretação para eles. Seus desempenhos nunca foram nada. O Enem é que é o começo do fim da educação no Brasil.

sábado, 3 de novembro de 2012

ROGÉRIO CARVALHO, O CAETÉ DO WIKIPÉDIA

"Serigy lutou contra os portugueses. Os portugueses tinham um projeto. O projeto, que era ruim, daria no Brasil. Mesmo sem desconfiar que o projeto português daria no Brasil, Serigy lutou contra ele. Só por causa disso, deve ser considerado um grande sujeito. Jamais, um herói nacional."

(também publicado no Notícias Aju)


O deputado federal Rogério Carvalho quer empurrar o cacique Serigy para o Livro dos Heróis da Pátria. O pedido já foi aprovado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara. O Livro dos Heróis da Pátria traz dez nomes. Entre eles Tiradentes, boi de piranha dos inconfidentes mineiros. Entre eles Zumbi dos Palmares, herói da liberdade que possuía cativos particulares. Entre eles Santos Dumont, dândi que fez de tudo na vida, menos inventar o avião. Como se vê, os heróis do Brasil são assim. Repletos de contradições que, se o tornam menos heróis, pelo menos os tornam mais brasileiros.

O cacique Serigy foi um líder indígena do século XVI.  Segundo o projeto de Rogério Carvalho, ele também foi um “guardião da soberania, da autoestima, da liderança e da luta”. É claro que ele deve estar certo. Quase todos os historiadores brasileiros dão conta de que os índios eram heróis. O problema é dizer que a soberania, a autoestima, a liderança e a luta do cacique Serigy estavam a serviço do Brasil. Porque Serigy lutou contra os portugueses. Os portugueses tinham um projeto. O projeto, que era ruim, daria no Brasil. Mesmo sem desconfiar que o projeto português daria no Brasil, Serigy lutou contra ele. Só por causa disso, deve ser considerado um grande sujeito. Jamais, um herói nacional.

Serigy viveu no século XVI. Nessa época, o “Brasil” não passava de um punhado de carolas, latifundiários e burocratas decidindo o que fazer com todo aquele mato, todas aquelas mulheres nuas e todos aqueles gentios preguiçosos e militarmente inexpressivos. Quem sabia aproveitar a vida era a tribo dos caetés. A primeira coisa que fizeram quando viram um bispo católico na sua frente foi comê-lo. O governo português não aprovou o lanche, foi à forra e iniciou uma perseguição sem precedentes aos aborígenes.

Os tupinambás de Serigy estavam no caminho. Até onde se sabe, não há registros de que Serigy estaria lendo algum tratado ufanista de Plínio Salgado ou Marcelo Déda no momento em que viu o primeiro português. Nem de que estivesse enrolado na bandeira sergipana sob o som de Kleber Melo. Ao invés disso, há testemunhos de que ele se organizou para defender, apenas, sua tribo de tupinambás. Alguns podem considerar os tupinambás como brasileiros. Os tupinambás, por seu turno, não deviam se considerar muito mais do que tupinambás.

O projeto de lei de Rogério Carvalho baseia-se em textos do historiador Eduardo Bueno e no Wikipédia. O Wikipédia é um expediente de consulta rápida para estudantes, desinformados em geral e gente que não se interessa por muita coisa, como eu. Recorrer ao Wikipédia para tentar empurrar um herói no panteão nacional é a ultrapassagem de várias dimensões de sem-vergonhice, desleixo e preguiça intelectual. Mas Rogério Carvalho e sua assessoria são incansáveis. Mal se presta atenção nisso, eles emitem um release ainda melhor.

Enquanto ecoa que aquele era o melhor projeto de lei do mundo, o material atesta que os índios de Serigy lutaram, entre outras coisas, pelo direito à terra. Eis então a grande particularidade das tribos sergipanas. Além de terem previsto o Brasil e sua soberania, eles defenderam o direito à propriedade privada séculos antes de John Locke e da Declaração Universal de Direitos Humanos.

A assessoria de Carvalho também informa que “em 1590, após um mês de batalha contra uma esquadra de guerra, os portugueses conquistaram a cidade de Aracaju e dizimaram a tribo do cacique Serigy”. A relação entre “batalha contra uma esquadra de guerra” e  “portugueses”, dando a entender de que um estava contra o outro, foi apenas um equívoco infantil de coesão. Equívoco maduro é localizar Aracaju em algum lugar do século XVI. Faltou dizer o bairro. Deve ter sido nas proximidades do Índio Palentim.

Rogério Carvalho recorre ao Wikipédia e põe Aracaju no colo de Cristóvão de Barros porque tem pressa. Sua pressa acompanha a velocidade com que o estranhíssimo episódio dos índios guarani-kaiowá tende a desaparecer do noticiário. Até lá, ele tentará cavar para Sergipe essa pequena conquista do bairrismo rasteiro disfarçada de nacionalismo e política etnicamente correta. Pelo menos, no fim das contas, Sergipe e Brasil terão um herói do passado à altura de seu presente: aquele que deu a vida para que nada disso que temos hoje pudesse existir.